segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

"Em mim há vozes há muito tempo emudecidas".

Desde criança, a brincadeira íntima e muda de fazer falar palavras no papel. O jogo preferido era o de dados que tinham letras, ao invés de números, onde eu me encantava com a descoberta de que de arco podia derivar cora, ar, cor, aro. O hábito de escutar músicas costurava paisagens e sons às imagens acústicas. O sol penetrando as janelas com a Gal que minha irmã colocava para acordar nunca escapou das retinas de dentro. Daí, o gesto de escrever descendeu primeiramente para confessar meu amor e pedir correspondência. Talvez até hoje a escrita seja, assim, uma tentativa de fabricar companheirxs, forjando laços que saltavam do artifício para ganhar estrada. Pois foi com a palavra que teci a maior parte de minhas relações íntimas de maior valor. A invenção do afeto pela linguagem.
Quantas e tantas vezes repeti que escrever era minha forma de criar resistência e valor. Em períodos de paixões tristes, soturna diante da luz diurna, ascendia ao luar das lamparinas presas a cada gota de verbo, azeite nutriz para lubrificar os cantos que vinham celebrar a força, Foi com as palavras, também, que Mazé me socorreu nestes tempos de dor, trazendo a sua infância na roça, as bonecas de palha de milho, o boqueirão, a imagem da menina que ia pegar água e passava o dia inteiro na bica cantando. "Ela nasceu numa cidade que era uma rua sem saída chamada Vai-e-Volta", assim começava o meu livro com suas memórias, apunhado de textos que perdi nos caminhos cibernéticos. Com a conversa, então, podia alçar outros tempos, buscar uma respiração fresca. Descoberta poderosa de que da boca para a grafia existia uma distância irredutível e interessante.
Depois, nos tempos de Recife, encrustados de solidão e cachaça, descobri que viajava para escrever aos que ficaram. Escrever a distância. "Como se ter ido fosse necessário para voltar".
Dos poucos períodos cursados na faculdade de Letras, trago um estupor que me acompanha até hoje, A violência de obrigar uma única norma em detrimento das tão várias formas de linguajar. 

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